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RESENHA DO LIVRO "ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA" DE JOSÉ SARAMAGO

  • Luana Gonçalves
  • 1 de ago. de 2020
  • 6 min de leitura

"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."

O livro Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago foi lançado no ano de 1995, rendendo ao autor o prêmio Nobel de Literatura em 1998. O romance traz a história de uma epidemia intitulada de cegueira branca, que num rompante acometeu um motorista enquanto aguardava o semáforo liberar a passagem de veículos. Descontroladamente, a partir desse momento, a doença desconhecida se alastrou pela cidade. As primeiras vítimas foram levadas ao isolamento em um antigo manicômio, sujeitando-se a diversos tipos de desumanidades em defesa de sua sobrevivência. até que por fim conseguem, através de uma fuga sair de seu cativeiro, encontrando uma cidade colapsada e entregue a selvageria.

Escrito de forma direta, com ausência de diálogos explicitados por pontuações, o livro nos apresenta as falas apenas sinalizadas por letras maiúsculas dentro da narrativa, o que pode trazer uma sensação de urgência, de desespero e caótica ao leitor. Outro fato a saber é que o autor não nomeia os personagens, caracterizando-os apenas por traços de suas aparências, ocupações, ou modos de agir , como: médico, esposa do médico, rapariga de óculos escuros, sargento, etc.

Logo no início do livro, somos apresentados a um cenário tenso, de estresse, em um trânsito caótico. O motorista esperando o sinal abrir, repentinamente fica cego como se um mar de leite lhe tivesse entrado na frente e não pudesse mais ver. Ele é assim, identificado como o primeiro cego, e recebe ajuda para voltar para casa. Porém, seu suposto ajudante acaba roubando seu carro, indiferente de sua doença. O ladrão ,mais tarde, também é acometido da cegueira. No dia seguinte, a esposa do motorista leva-o ao médico oftalmologista que fica intrigado com o caso raro que havia surgido. Desse modo, mais tarde, o médico também foi contaminado pela cegueira, bem como todos os pacientes que estavam presentes na clínica. Uma vez que a enfermidade era contagiosa, tais pessoas passaram a infectar qualquer um com quem estiveram em contato, e assim se dá início uma pandemia. Dentre todos os personagens iniciais a mulher do médico, ganha um papel de destaque na obra, pois é a única que permanece com a visão intacta e, para acompanhar o marido, finge-se de cega. O governo, então, apresenta um plano de isolamento para conter a epidemia, trancando os cegos em um antigo manicômio, servindo-lhes inicialmente as refeições necessárias, porém deixando-os à própria sorte sem assistência, expostos a possíveis doenças e machucados.

Ao longo do tempo as salas do manicômio vão sendo ocupadas cada vez mais por cegos, além de uma ala destinada aos suspeitos que poderiam contrair a cegueira em algum momento. Conforme o número de cegos vai aumentando a situação vai se tornando cada vez mais crítica. A higiene do local vai deteriorando, já que os cegos não conseguiam enxergar as latrinas para fazerem suas necessidades, além de os dutos de água que levavam aos chuveiros não estarem funcionando, o que tornava os banhos difíceis e escassos, deixando o ar do local pesado pelos odores de humanidade em estado bruto. A comida, entregue por soldados, passa a ser controlada por um grupo de cegos de uma das alas, cujo líder tem uma arma e um dos integrantes já era cego antes da epidemia, mostrando uma maior experiência diante da situação por já estar adaptado às tarefas de como viver em um mundo que não lhe existia perante a visão. Os que detêm o poder sobre a comida decidem negociar os mantimentos com os outros pedindo-lhes bens materiais, além de favores sexuais às mulheres que em um cenário de tamanha violência e descaso, acaba resultando na morte de uma delas.

A mulher do médico, que desde o início viu toda a degradação que a humanidade pode chegar, decide matar o líder do grupo autoritário para tentar dar um fim à opressão, gerando outra série de conflitos, que acaba resultando em um grande incêndio. Os personagens que conseguiram escapar do incêndio, e conseguintemente se libertaram da prisão manicomial, encontraram um mundo devastado do lado de fora, pois todas as pessoas do planeta estavam cegas também, e agiam como animais para sobreviver, procurando abrigo em qualquer canto e lutando por comida, que a essa altura era o item mais precioso e raro que se podia encontrar. A degradação toma conta das ruas, devido a quantidade de lixo e de fezes humanas.

Aos poucos cada personagem pôde encontrar sua antiga residência graças a mulher do médico, que ainda via, mas dadas as circunstâncias optaram todos por ficarem juntos na casa dela. A religiosidade aparentemente também foi abandonada diante daquela realidade pois os santos de uma determinada igreja encontravam-se de olhos vendados em uma representação do descaso divino para com seus servos.

Todos estavam juntos e se adaptando da maneira que podiam, quando a cegueira, que havia sido espalhada pela humanidade, assim como veio, repentinamente também se foi quando o primeiro cego voltou a enxergar, seguindo sucessivamente pelos outros. Quando a mulher do médico acredita que finalmente vai estar livre de seu pesado fardo, ela olha para o céu e vendo tudo branco pensa “estou cega”, mas ao abaixar a cabeça, ainda via a cidade.

A história é bastante incômoda e pesada, por intenção do autor. Uma leitura que nos traz sentimentos de angústia, e mostra a humanidade representada, na sua pior e melhor essência em busca de sobrevivência. O sentimento de poder que domina aqueles que se julgam em uma posição superior, e o abuso desse poder em detrimento de seu próprio benefício. O confinamento dos cegos mostra como eram tratados como inferiores, deixando-os à própria sorte e condenando-os a morte futura. Nota-se também a indiferença com que as pessoas do mundo de fora, que ainda não perderam a visão, tratam aqueles que foram atingidos pela doença. Isso nos propõe analisar se realmente aconteceria no mundo real.

Vivendo agora em um mundo acometido pela pandemia de um vírus contagioso e potencialmente mortal (COVID-19), não apenas pelos males que ele causa, mas pelo colapso que traz aos sistemas de saúde de todo o mundo, a leitura deste livro pode nos trazer diversas reflexões sobre qual a melhor maneira de tratar o isolamento dos infectados. Como conseguir controlar uma infecção causada por algo invisível? Como proceder com aqueles que ficam em situação de vulnerabilidade? Por que sempre existem aqueles que tentarão tirar vantagem da situação apenas pelo seu próprio bem? Entrando em um dilema filosófico Rosseauniano: essas pessoas são frutos da situação em que se encontram ou o ímpeto de ganância estava adormecido aguardando o momento de aflorar?

O autor nos convida a observar do que o ser humano é capaz de fazer quando sabe que ninguém pode observá-lo, e o que vemos são pessoas, cidadãos que receberam educação, realizarem os mais esdrúxulos atos já que não iriam receber julgamentos por isso, ou seja, que em situações extremas, temos a chance de enxergar a verdadeira face de alguém, pois estamos “libertos das amarras sociais”. Seria nesse estado de cegueira, que nós poderíamos, enxergar verdadeiramente.

Apesar de todas as mazelas retratadas, da miséria humana e de sua crueldade, existe ainda uma esperança, representada pela mulher do médico que permanece com visão, norteando os seus companheiros e tentando ajudar aos que pode, sendo a idealizadora que acabou por salvar o grupo de cegos de sua prisão. Mostra-nos assim, a importância de se ter empatia e de lutarmos nas adversidades, mesmos que essas qualidades estejam se perdendo em nosso mundo, há esperança.

O maior expoente da literatura portuguesa, José de Souza Saramago (1922 - 2010) nascido em Azinhagha e criado em Lisboa. Estudou em escola técnica e após a conclusão de sua formação trabalhou como serralheiro mecânico e funcionário público. Autodidata, conseguiu adquirir muito conhecimento sobre literatura, filosofia e história. Lançou seu primeiro livro em 1947 (Terra do Pecado). No início de sua carreira escreveu poesias, crônicas, contos, romances e peças de teatro. Em 1980, iniciou a segunda fase como escritor, e então Saramago publicou sua obra mais conhecida, Ensaio sobre a Cegueira, que lhe rendeu o prêmio Nobel de literatura 3 anos depois. Em 2010, vítima de leucemia crônica, Saramago atravessa o rio nos deixando seu legado e suas história.

Imagem 1 - cena do filme Cegueira

Imagem: http://3.bp.blogspot.com/_WiZCfY5Lmb8/SRwYnuTGFyI/AAAAAAAABHE/j4j7nve3cXM/s1600-h/Ensayo+sobre+la+ceguera.JPG

Imagem 2 - cena do filme Cegueira

Imagem: https://br.pinterest.com/pin/143341200613234508/

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