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80 anos das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki

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    PETFísica Uem
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Atualizado: há 2 horas

No dia 06 de agosto de 1945, a cidade de Hiroshima presenciou um evento que mudaria para sempre a história da humanidade. Em um B-29 Superfortress, uma bomba atômica apelidada de “little boy” foi detonada na cidade e, três dias depois a “fat boy” seria lançada  na cidade de Nagasaki, deixando mais de 100 mil pessoas mortas. Mesmo após 80 anos, discussões sobre esse ato ainda eclodem sobre esse dia, mas além de tudo surge uma dúvida: Como uma única bomba poderia matar 100 mil pessoas de uma vez só?


Para isso deve-se entender como funciona uma bomba atômica. Seu funcionamento é feito a partir do processo de fissão nuclear de um elemento radioativo. Elementos radioativos sempre existiram no mundo, contudo, somente no século XIX começaram a ser estudados com afinco. Becquerel, descobriu que sais de urânio emitem uma radiação invisível, mesmo sem exposição à luz, radiação essa que diferente do raio X eram espontâneas. A descoberta de Becquerel incentivou o  casal Curie a pesquisar mais a fundo sobre o mesmo tema. Eles descobriram novos elementos radioativos, o Rádio e o Polônio, cunharam o termo radioatividade e provaram que alguns elementos químicos emitem energia espontaneamente por conta de seu núcleo frágil. Vários cientistas do início do século XX fizeram avanços surpreendentes na área, Rutherford com o núcleo atômico e a classificação de radiação e Bohr com um modelo atômico funcional que foi a porta de entrada para a disseminação do estudo da mecânica quântica. Entretanto, o mais importante avanço para a bomba atômica ocorreu em 1938. Ao fazer um experimento de rotina Otto Hahn, bombardeou nêutrons em um átomo de urânio, a fim de produzir elementos transurânicos (elementos de número atômico maior que 92 não existentes na natureza). O resultado o surpreendeu: ao invés de obter um elemento de núcleo atômico maior, obteve o bário, de número atômico muito  menor do que o urânio. Sem saber o que os resultados significavam, Hahn telefonou para a austríaca Lise Meitner, compartilhando os resultados de sua pesquisa. Lise era uma das maiores mentes do Instituto Kaiser Wilhelm de Berlim, onde ela esteve à frente de departamentos de pesquisa. Trabalhou por 30 anos no mesmo laboratório que Hahn e Planck, aluna de Boltzmann, não obstante em 1938 estava exilada na Suécia. Após analisar os resultados, ela remeteu uma carta que mudaria a história da humanidade. Ela havia percebido que o bombardeamento de nêutrons dera início a uma reação em cadeia que fissurou o núcleo de urânio e liberou grandes quantidades de energia: esse é o processo que é conhecido hoje como fissão nuclear. Essa descoberta abriu as portas para a produção de energia em alta escala, mas acabou sendo utilizado para dizimar a vida de milhares de pessoas. Para entender a virada que teve na história devemos levar em conta o fato de Lise Meitner estar exilada na Suécia. A pergunta que surge é: exilada por qual razão? 


A corrida imperialista no século XIX trouxe uma tensão nunca antes vista entre as potências europeias. Disputas para o ganho de domínios e colônias na África e Ásia, eclodiram em toda a Europa. Uma guerra total era inevitável, o que acabou ocorrendo em 1914 o que veio a ser conhecido como primeira guerra mundial(1914-1918). Os tratados emersos no fim da guerra trouxeram uma grave crise financeira para a Alemanha, especialmente para os elevados custos de reconstrução do país, mas, sobretudo, porque os alemães sofriam com a falta de mão de obra perdida na guerra, por doenças, além da perda de recursos naturais. Ademais, os alemães tinham que arcar com as onerosas reparações para os países vencedores. A quebra da bolsa de Nova York, em 1929, agravou ainda mais a situação desses países, criando uma queda de popularidade da democracia e um ambiente frutífero para a subida de popularidade de regimes totalitários, entre eles o fascismo que já havia tomado conta da Itália no começo dos 1920, com a ascensão do Duce Benito Mussolini. Entre 1930 e 1932, o governo alemão tentou criar uma maioria parlamentar que não teve sucesso. Cada vez que uma nova eleição era convocada, o NSDAP subia a popularidade na Alemanha, e junto a ele, o partido comunista alemão também aumentava a popularidade. NSDAP tornou-se o maior partido do Parlamento em 1932, e mesmo assim não conseguia parcerias para tornar-se mais que 50%. Após convocar mais uma eleição em 1932, o NSDAP perdeu cadeiras e o partido comunista continuou a crescer. Com receio da tomada de poder que poderia acontecer pelos comunistas, os conservadores e a burguesia alemã entregou o título de Chanceler ao líder do NSDAP Adolf Hitler(que já havia tentado um Golpe de Estado em 1923), o qual, paulatinamente, aproveitou-se de brechas e acontecimentos para centralizar o poder em si e tornar a Alemanha um governo sob o domínio de um regime fascista. Entre 1933 até o início da Segunda Guerra, em 1939, a Alemanha remilitarizou a Renânia (divisa com a França), anexou a Áustria (Anschluss), tomou a região do sudetos da Tchecoslováquia e, posteriormente, ocupou todo o país, perseguindo e excluindo minorias, entre elas, os judeus. Como Lise Meitner era de comunidade judaica, teve que exilar-se na Suécia. Leo Szilard, que também era  judeu, estava exilado na Inglaterra. Szilard teve, na descoberta de Hahn e Lise Meitner, a confirmação de uma hipótese que tivera seis anos antes. A hipótese era que,  ao bombardear um núcleo com um nêutron, o núcleo emitiria mais de um nêutron, e, dessa forma,  uma reação em cadeia poderia ser realizada. 


Sabendo que a descoberta da fissão nuclear fora feita na Alemanha, país que influenciou a política húngara ao facismo, o que levou a perseguição e posterior exílio de Leo Szilard, ele redigiu e convenceu vários cientistas, como Einstein, a enviar uma carta ao presidente Franklin D. Roosevelt, sugerindo que os EUA investigassem urgentemente o assunto. No início o investimento foi pequeno, então só após mais duas cartas de Einstein, uma delas onde Szilard ameaçava publicar suas descobertas caso não fosse ajudado pelo governo americano, o governo aumentou o financiamento. O Projeto Manhattan, liderado pelo general Leslie Groves e pelo físico J. Robert Oppenheimer, envolveu milhares de cientistas como Compton, Fermi, Feynman, Chadwick , Bohr, entre outros. Teve  instalações como Los Alamos, Oak Ridge e Hanford, onde foram produzidos urânio-235 e plutônio-239.Foram criados dois modelos de bombas distintos: Little Boy, que utilizava urânio e funcionava pelo método de “canhão”, unindo duas massas de material físsil até atingir a reação em cadeia; e Fat Man, à base de plutônio, que exigia o método mais complexo da implosão, no qual explosivos moldados comprimiam o núcleo de plutônio para alcançar a criticidade. O momento decisivo foi o Teste Trinity, em 16 de julho de 1945, no deserto de Alamogordo, Novo México. A explosão, equivalente a cerca de 20 mil toneladas de TNT, produziu uma luz intensa, um calor capaz de derreter a areia e uma nuvem em formato de cogumelo, confirmando que a bomba de plutônio funcionava. Esse teste foi a primeira explosão nuclear da História e provou que o trabalho científico e industrial havia alcançado seu objetivo, mas a questão da ética ainda não estava clara.


Detonação da bomba Trinity no deserto de Alamogordo, Novo México

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Fonte: Wikimedia Commons


Quando a bomba já estava pronta para uso, a Segunda Guerra já estava quase finalizada. A Itália já havia capitulado nas mãos de soldados americanos e ingleses, e o Exército soviético já havia ocupado Berlim,capital da Alemanha, levando ao suicídio de Adolf Hitler. Havia restado somente a última linha de guerra: o Pacífico. Lá o Japão havia dado continuidade à Segunda guerra sino-japonesa, invadindo a China, local onde cometeram crimes atrozes contra a humanidade. O Japão ainda invadiu as Filipinas e se aproveitou da guerra na Europa para tomar antigas colônias europeias na Ásia. Contudo, com a tomada de importantes ilhas no Pacífico realizada pelos Estados Unidos e o enfraquecimento dos países do Eixo na Europa, o Japão se encontrava numa guerra perdida. Tudo piorou com a entrada da União Soviética na frente oriental. Rapidamente as ocupações japonesas no território continental asiático começaram a ruir e era questão de não se, mas quando o Japão iria se render. Observando esse cenário, Szilárd fez uma petição ao governo dos EUA pedindo para que os EUA fizessem uma demonstração do poder da bomba sem utilizá-la em civis.

Após o pedido ser ignorado, em 6 de agosto de 1945, às 8h15 da manhã, o bombardeiro Enola Gay lançou a bomba Little Boy sobre Hiroshima, explodindo a cerca de 600 metros de altitude, A temperatura no ponto da explosão chegou a mais de um milhão de graus Celsius, vaporizando instantaneamente pessoas próximas ao hipocentro. A onda de calor queimou corpos a centenas de metros de distância, incendiou edifícios e fez com que materiais como pedra e aço se derretessem. Estima-se que cerca de 70 a 80 mil pessoas morreram imediatamente, enquanto outras dezenas de milhares faleceram nos dias e meses seguintes devido a ferimentos e à radiação. Uma das marcas mais chocantes foram as chamadas “sombras nucleares”: quando o clarão atingiu a cidade, objetos e pessoas bloquearam a luz, deixando suas silhuetas impressas em paredes, escadas e calçadas, lembranças silenciosas de vidas apagadas em um instante.


                                  As Sombras de Hiroshima e Nagasaki

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Fonte: Arquivos de História Nacional

                                       

Três dias depois, em 9 de agosto de 1945, a bomba Fat Man foi lançada sobre Nagasaki, explodindo a cerca de 500 metros de altura. Mais potente, com energia de aproximadamente 21 mil toneladas de TNT, devastou um vale cercado por montanhas, o que fez com que a destruição fosse concentrada em determinadas áreas. Cerca de 40 mil pessoas morreram na hora, e ao final de 1945 as mortes somavam mais de 70 mil, também acompanhadas de feridos graves e doenças provocadas pela radiação. Edifícios foram reduzidos a pó, e a onda de choque destruiu praticamente tudo em um raio de dois quilômetros do epicentro.


                   Hiroshima antes e depois do bombardeio

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Fonte: Wikimedia Commons

                 

Os efeitos não pararam na destruição imediata. Muitos sobreviventes, chamados hibakusha, sofreram queimaduras profundas, cegueira, leucemia, câncer e malformações em gerações seguintes. As cidades, em ruínas, tornaram-se símbolos de tragédia e resistência, o impacto psicológico foi tão grande quanto o físico: além de selar o fim da guerra, os ataques inauguraram a era da ameaça nuclear, mostrando que a humanidade tinha adquirido o poder de destruir a si mesma. As sombras deixadas em Hiroshima e Nagasaki não foram apenas marcas no concreto, mas um aviso eterno sobre as consequências do uso da ciência sem limites éticos, como foi feito nesse ataque injustificável contra civis, em uma guerra que já estava vencida.

Inúmeros cientistas envolvidos no desenvolvimento da bomba, como Szilard e Hahn se tornaram ativistas contra ela, o que não impediu a corrida armamentista dos países desenvolvidos para acumular o máximo possível. Agora, a bomba não representava uma forma de impedir os nazistas, mas sim um braço do poder imperial e um dos maiores alicerces da disputa que futuramente foi conhecida como Guerra Fria. Bombas mais potentes foram desenvolvidas, como a bomba de hidrogênio, mas nunca mais nenhum armamento nuclear foi usado contra civis. 80 anos depois, Hiroshima e Nagasaki deixam um legado, de como uma descoberta que poderia trazer a independência energética mundial, se tornou na morte de mais de 200 mil pessoas e a ameaça da sobrevivência da espécie humana.



Referências utilizadas e recomendadas


BECQUEREL, H.  Académie des sciences. Disponível em: <https://www.academie-sciences.fr/pdf/dossiers/Becquerel/Becquerel_publi.htm>. Acesso em: 29 julho. 2025.


HAHN, O; (1946-1960). Disponível em: <https://www.mpg.de/8241484/otto-hahn>.Acesso em: 29 julho. 2025.


JONES, V. C. Manhattan : the army and the atomic bomb. Washington: Center Of Military History United States Army, 1988.


LANOUETTE, W. Genius in the Shadows : a Biography of Leo Szilard, the Man Behind the Bomb. New York: Skyhorse Publishing, Inc., 2013.


MORCELLE, V.; FERREIRA, R. M. S.; SANTOS, A. C. F. Ciência e reparação: 100 anos das Contribuições de Lise Meitner para o Efeito Auger. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 44, p. e20220103, 12 ago. 2022.


NEVES, M. C. D. A face cruel da Ciência ou A militarização da Física. In: NEVES, M.C.D. Memórias do Invisível: uma reflexão sobre a História de Física e a Ética da Ciência. Maringá: EDUEM, 2a. ed., p, 197-226, 2008.


SHIRER, W. L. The Rise and Fall of the Third Reich. [s.l.] Simon & Schuster, 1960.


TIKKANEN, A. Marie Curie - Death of Pierre and second Nobel Prize, 2019. (Nota técnica).


 
 
 

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