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Aware Home

  • Amanda R. Valer e Maria R. Luzan Maraschi
  • há 8 horas
  • 4 min de leitura

Entre o final do século XX e o início do XXI, a humanidade presenciou o aparecimento de novas tecnologias digitais que passaram a fazer parte do cotidiano, tanto em contextos sociais quanto privados, promovendo transformações significativas nos modos de vida. Essas inovações são dispositivos ou ferramentas com a capacidade de se conectar a uma rede invisível, a internet. Ao revisitarmos algumas perspectivas históricas sobre como certos pesquisadores imaginaram a incorporação dessas tecnologias no cotidiano das pessoas, vale mencionar o experimento denominado Aware Home (em tradução livre, “casa consciente”), realizado no ano 2000. Esse Projeto tinha como proposta funcionar como um “laboratório vivo” voltado ao estudo da integração tecnológica na vida doméstica. A psicóloga social Shoshana Zuboff (2019) observa que a experiência envolvia a utilização de diversas tecnologias com uma característica em comum: a coleta de dados. O objetivo era aprimorar os serviços oferecidos, visando ao bem-estar dos moradores de uma casa inteligente, a qual era capaz de se ajustar automaticamente às necessidades dos residentes com base nas informações coletadas por meio do monitoramento de suas ações e vivências.

No desenvolvimento do experimento, os cientistas se basearam em três princípios fundamentais: (a) os sistemas de dados emergentes geram uma nova forma de conhecimento; (b) o direito de utilizar esse conhecimento deve pertencer exclusivamente aos moradores da residência; e (c) o ambiente doméstico automatizado deve continuar sendo um espaço privado, resguardado, garantindo a proteção das informações pessoais de seus habitantes. O sistema de informação do projeto Aware Home foi concebido como um circuito fechado, composto por apenas dois nós e inteiramente sob o controle dos residentes. Considerando que a casa estaria constantemente monitorando a localização e as atividades dos moradores, chegando até mesmo a acompanhar aspectos relacionados à saúde, a equipe responsável concluiu que era essencial garantir aos ocupantes tanto o acesso quanto o domínio sobre a circulação dessas informações (Zuboff, 2019, p. 20).

As diretrizes estabelecidas pelos pesquisadores no experimento Aware Home apontavam para a possibilidade de melhorar a qualidade de vida dos moradores por meio da integração de tecnologias digitais voltadas à coleta de dados no cotidiano. A proposta era que, ao automatizar atividades que muitas vezes seriam deixadas de lado pelos próprios residentes, essas tecnologias contribuíssem para uma rotina mais eficiente. Apesar disso, o projeto se estruturava sobre princípios que buscavam resguardar a privacidade dos moradores, garantindo que o acesso e o controle das informações coletadas permanecessem sob sua total responsabilidade. Em síntese, o Aware Home priorizava o uso dos dados gerados pelas ações e comportamentos dos habitantes exclusivamente em prol do bem-estar deles. No entanto, caso os cientistas envolvidos acreditassem estar antecipando o verdadeiro caminho das tecnologias digitais, essa expectativa acabou se mostrando equivocada. O que de fato emergiu com o desenvolvimento dessas inovações não se limitou a avanços no cotidiano, mas à consolidação de uma nova lógica capitalista, baseada na antecipação e no aproveitamento comercial do conhecimento derivado das vivências humanas. Com a popularização da internet e o avanço dos recursos digitais, setores econômicos e culturais expandiram suas fronteiras de atuação de maneira significativa. Atualmente, existe um mercado sólido e bem estruturado que obtém lucros consideráveis a partir dessa nova dinâmica.

O Aware Home, embora sendo um projeto científico, tem fortes implicações políticas, especialmente no que tange à regulação da privacidade e dos direitos digitais. A proposta original do experimento apontava para um modelo de governança dos dados no qual o usuário tem soberania sobre suas informações, um modelo democrático e centrado no cidadão. Por outro lado, o caminho trilhado na prática revela um cenário de assimetria de poder entre grandes corporações e usuários, onde empresas acumulam dados em larga escala sem o devido consentimento ou transparência, aliás, uma constante em sociedades capitalistas viscerais!. Esse desequilíbrio gerou debates políticos em várias partes do mundo, motivando leis como o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) na União Europeia, e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil, que tentam devolver aos indivíduos o controle sobre suas informações. Portanto, o Aware Home não é apenas um experimento de tecnologia doméstica, mas também um símbolo de uma bifurcação política: entre um futuro em que a tecnologia serve ao bem-estar do cidadão com responsabilidade ética, e outro onde a vida privada se torna combustível para interesses econômicos, exigindo constante vigilância e atuação política para a proteção dos direitos digitais.

O experimento Aware Home nos oferece uma lente crítica e reflexiva sobre os rumos que a sociedade escolheu seguir diante do potencial transformador das tecnologias digitais. Ele nos convida a imaginar um futuro alternativo, um em que a inteligência das máquinas esteja subordinada à inteligência ética da coletividade, e não ao imperativo do lucro. Mais do que um marco técnico, o Aware Home representa um ponto de inflexão: um momento em que se vislumbrava um paradigma de tecnologia centrado no humano, na transparência e no respeito à privacidade. Revisitar essa iniciativa, hoje, é também um convite à ação. É reconhecer que, embora o curso dominante tenha sido moldado por interesses corporativos, ainda há espaço para reivindicar um modelo mais justo e equitativo de convivência com as tecnologias. Afinal, como demonstrou o Aware Home, o modo como escolhemos integrar a tecnologia ao cotidiano não é uma fatalidade, é uma escolha política.



REFERÊNCIAS 


Zuboff, Shoshana (2019). A Era do Capitalismo de Vigilância: A luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Rio de Janeiro: Intrínseca.


European Parliament and Council. Regulation (EU) 2016/679 of the European Parliament and of the Council of 27 April 2016 (General Data Protection Regulation).


Brasil. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: www.planalto.gov.br



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