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  • Pietro Giuseppe Cargnin Ferreira e Gustavo Henrique Sahd

INTRODUÇÃO: NÚMEROS COMPLEXOS E TEORIA DOS CONJUNTOS


A Matemática surgiu nos princípios da História como ferramenta para interpretar analiticamente o mundo à nossa volta. Números e operações eram conceitos criados a partir de situações da vida real para resolver problemas do dia a dia. Então, o que fazer quando essa ciência se desenvolve e os números pautados na realidade já não são mais suficientes para resolver os problemas que ela nos coloca? Neste semanal veremos o passo a passo do desenvolvimento dos números "imaginários" e como deu-se o processo de criação dos que hoje conhecemos como números complexos.



Conjuntos numéricos é o nome dado aos grupos que separam os números de acordo com algumas características essenciais. Geralmente apresentam uma certa sucessão lógica, onde um conjunto contém outro e progressivamente engloba-se uma parcela cada vez maior de todos os números: o conjunto dos números naturais (N) representa os números inteiros e positivos; o conjunto dos inteiros (Z) funciona da mesma forma, mas abandona a restrição de que o número deve ser positivo; já o conjunto dos racionais (Q) ultrapassa completamente a barreira do número ser inteiro, contendo todos aqueles que possam ser escritos como uma fração da forma a/b para a e b inteiros e b não nulo.

Esse desenvolvimento continua até alcançarmos o último grupo criado, e aquele que engloba todos os números que conhecemos: o conjunto dos números complexos. Esse, representado pelo formato a+bi, em que a e b são números reais e i=-1, permite que qualquer número seja obtido a partir dessa fórmula. O coeficiente a representa a parte real, da qual se obtém qualquer número desse conjunto, racional ou irracional, enquanto o coeficiente b representa a parte imaginária atrelada à “unidade imaginária” i.



CONTEXTO HISTÓRICO: O PROBLEMA DO CUBO

Resolver equações sempre foi um ponto importante e considerável a ser analisado na história da matemática em diferentes culturas e sociedades. A Fórmula de Bhaskara, provavelmente uma das fórmulas mais famosas de toda a matemática, é um ponto fundamental dessa história e é usada até hoje para resolver equações de segundo grau do tipo ax²+bx+c=0, para a≠0:


Entretanto, apesar de revolucionária, a fórmula ainda apresentava suas limitações, representadas pela variante delta dada por Δ=b²-4ac. Para delta positivo ou igual a 0, a conta seguia normalmente e se encontra as soluções para o valor de x, mas chega-se a um impasse caso o número delta seja negativo. Na época essa questão não era tão relevante e a equação era simplesmente dada como sem solução.

O tópico das raízes com radicando negativo só voltou à tona na Itália do século XVI, em meio a disputa dos matemáticos Cardano e Nicoló Fontana, apelidado de Tartaglia, em busca de uma fórmula que resolvesse equações de terceiro grau. Após Tartaglia descobrir um método de solução para as equações de terceiro grau não só de tipo x³+bx+c=0 quanto ax³+bx²+cx+d=0, por meio de uma tática que transformava a última na primeira, Cardano buscou que ele contasse seu “segredo” para que fosse publicado em seu próximo livro e popularizado esse novo método de resolução. Entretanto, Tartaglia negou o pedido a princípio, mas resolveu revelar seu método após múltiplas investidas de Cardano após esse prometer que não o publicaria. Como era esperado, Cardano incluiu o método em sua publicação e assim se tornou conhecida a “Fórmula de Cardano”, desenvolvida por Tartaglia:

O cerne do problema surge ao se analisar especificamente a equação x³-15x-4=0. Essa equação apresenta perfeitamente 3 soluções reais, uma delas inclusive sendo o número inteiro 4, porém, quando aplicada a fórmula de Cardano, chega-se a:

Assim, a velha desculpa de que a equação “não possui solução” não se adequava mais, e evidenciava-se que os conjuntos numéricos como existiam até o momento eram insuficientes.

A partir disso, o próximo grande passo foi dado pelo engenheiro italiano Rafael Bombelli, ao propor que:

poderia ser reescrita como x=(a+-b)+(a--b). Dessa forma, tratando a raiz de um número negativo como um número qualquer e aplicando as mesmas propriedades que esses, Bombelli chegou aos valores 2 e 11 para a e b, respectivamente, e abriu as portas para uma nova interpretação dos conjuntos numéricos.

Bombelli criou, assim, o formato padrão para os números complexos já que a+-b é equivalente a a+(b.-1), já que estamos tratando a raiz de menos um com o mesmo conjunto de regras para uma raiz de radicando positivo, e, substituindo a unidade imaginária: a+(b.i).

A seguir, veremos em detalhes qual foi o raciocínio por trás dos pensadores citados aqui, como exatamente eles chegaram às suas descobertas revolucionárias e, principalmente, qual o futuro dos números complexos e as suas contribuições para a ciência anos após sua “criação”, bem como sua influência no presente.



LUCA PACIOLI E O MÉTODO DE AL-KHOWARIZMI


Luca Pacioli, nasceu no ano de 1445 na cidade de Sansepolcro na República Fiorentina, foi professor de matemática na universidade de Perúgia, é conhecido hoje como o pai da contabilidade e em 1494 Luca publica o livro “Summa de Arithmetica” , onde ele resume toda a matemática conhecida na Itália renascentista, e existe uma seção no livro onde ele fala sobre equações cúbicas, hoje escritas sob a forma:

Há muitos anos os matemáticos estavam procurando soluções para equações cúbicas desse tipo, e em seu livro Pacioli descreve que essas equações não possuem solução. Para entender melhor o raciocínio matemático usado na época de Pacioli temos que lembrar que a matemática era muito representada por palavras e imagens, hoje resolvemos equações de segunda ordem analiticamente através do Método de Bhaskara, mais conhecido pela equação:

Porém interpretando as equações através de figuras geométricas podemos utilizar o método de Al-khowarizmi para resolver equações quadráticas, para entender o método tomemos um exemplo de equação de segundo grau: x²+12x=64, primeiro temos que representar geometricamente todos os termos da equação:


Em seguida, dividimos o retângulo com área A=12x em outros dois retângulos idênticos:

Agora basta agruparmos as figuras que temos com a intenção de completar um quadrado:

Repare que o quadrado que falta no lado esquerda é um quadrado de lado 6, vamos inserir esse quadrado nos dois lados da equação:

Aqui podemos perceber que do lado esquerdo temos um quadrado de lado 6+x, portanto sua área é A=(6+x)², e do lado direito temos a soma de dois quadrados de áreas A=64 e A=36, portanto a área total é A=100. Dessa forma podemos comparar a área dos dois lados e descobrir o valor de x:


(6+x)²=100

6+x=100

6+x=10

x=4


Este é o método de Al - Khowarizmi para resolver equações quadráticas, repare que nesse método é impossível que a variável x Assuma valores negativos, pois estamos lidando com áreas de figuras. Por anos matemáticos utilizaram métodos como esse, e outros envolvendo volumes, distâncias e outras coisas que não faz sentido as variáveis assumirem resultados negativos, a matemática era tão repulsiva a números negativos que as equações quadráticas eram escritas em 6 formas diferentes de forma que os coeficientes fossem sempre positivos:

No século IX o matemático árabe Omar Khayyam escreveu 19 equações cúbicas diferentes, todas com os coeficientes positivos também e com a ajuda de hipérboles e círculos ele conseguiu encontrar soluções numéricas para algumas, mas não conseguiu encontrar uma solução unificada para todas as equações de segundo grau, as respostas que Omar procurava foram encontradas muito tempo depois,na Itália.



ANTONIO FIOR X NICOLÒ FONTANA TARTAGLIA


Scipione Del ferro foi um professor de matemática na Universidade de Bolonha e em 1510 ele encontra uma forma de resolver equações de terceiro grau reduzidas, sem o termo quadrático:

Entretanto, ele não revelou a ninguém seus avanços nessa área, por medo da pressão e das críticas que poderiam lhe custar seu cargo de professor na época, portanto ele guardou seus resultados e os revelou apenas em seu leito de morte (1526) para seu pupilo Antonio Fior. Fior por sua vez era ambicioso e desafiou um respeitado matemático da época, Nicolò Fontana, o Tartaglia (esse apelido vem do fato de Nicolò ter sido gago, tartaglia significa “gago” em italiano), tanto Fior quanto Tartaglia escreveram 30 problemas de matemática para que o outro respondesse e todos os problemas que Fior escreveu eram equações cúbicas reduzidas, para surpresa de Fior ele não conseguiu resolver nenhum dos problemas, enquanto que Tartaglia consegue resolver todas as equações cúbicas reduzidas mesmo sem ter conhecimento dos estudos de Scipione del Ferro, o método desenvolvido por Tartaglia é parecido com o método de Al-Khowarizmi, porém ao invés de completar quadrados, Tartaglia completou cubos, e com esse método ele se torna o segundo homem a resolver o problema do cubo reduzido. Abaixo temos uma representação geométrica da equação:



Tartaglia descreve todo seu método em um algoritmo com instruções, que hoje são conhecidas como Fórmula de Cardano, porém a sua época Tartaglia não se utilizou de equações para descrever o método.

Na época as instruções foram feitas através de um poema:


“When the cube with the things together

Are set equal to some discrete number

Find other two that by it differ.

You will get into the habit

Of making their product always equal

To the third of the things cubed exactly,

The result then

Of their cubic roots properly subtracted

Will be equal to your principal thing.


In the second of these cases

When the cube remains alone

you will take these other steps

from the number you will make two parts

So that one in the other yields.


the third of the cube of the number of things

Of these two parts by known precept

you will joint together their cubics roots

And this sum will be your answer.


then the third one of your calculations

It’s solved with the second,

If you look carefully

because by nature they’re related.


All these i found,

And not with slow steps

In fifteen hundred thirty four

With firm and vigorous foundations

In the city surrounded by the sea.”



CARDANO E O PROBLEMA DAS RAÍZES NEGATIVAS


A fama de Tartaglia por ter resolvido o cubo se espalhou e deixou a sociedade matemática em êxtase, então Cardano entra na história, ele começa a enviar cartas a Tartaglia até que em 1539, eles se encontram e Tartaglia revela seu método com a condição de que Cardano não o revelaria a mais ninguém, Cardano aceita as condições e começa a manipular o método de Tartaglia com um objetivo em mente: encontrar a solução da equação cúbica completa, e ele consegue utilizando um truque matemático que reduz toda equação cúbica completa a uma equação cúbica reduzida. Ao invés de escrever a equação com a variável x escrevemos como x-b/3a:

Dessa forma, temos uma equação cúbica completa transformada em uma equação cúbica reduzida, portanto podemos aplicar o método de Tartaglia. Após encontrar uma solução unificada para equações cúbicas, Cardano queria publicar seus avanços, mas havia prometido a Tartaglia que não publicaria nada envolvendo as suas soluções.

Em 1542 Cardano sai de Milão e vai até Bolonha para encontrar outro matemático, que por acaso era genro de Scipione Del Ferro, o homem a descobrir a solução da equação cúbica reduzida antes de Tartaglia, por conta disso Cardano acaba tendo acesso aos manuscritos de Del Ferro e tendo em mãos as duas soluções, Cardano pode então publicar a solução sem desrespeitar o acordo com Tartaglia e publica um livro “Ars magna” com um capítulo exclusivo a resolução da equação cúbica, embora ele cite os trabalhos de Del Ferro, Tartaglia e Fior, Tartaglia fica furioso com a atitude dele e escreve cartas insultando Cardano para toda a comunidade matemática.

Enquanto escrevia seu livro Cardano se deparou com um certo tipo de equação cúbica que ainda não podia ser resolvida com seu método, pois envolvia a solução para raízes quadradas de números negativos, o que não faz sentido existir naquela época, o matemático então retorna a suas demonstrações matemáticas e observa que por esse método algumas equações exigem que completemos uma área ou volume negativo para ser resolvido. A princípio, Cardano deixa de lado a ideia de raiz quadrada negativa e diz que é apenas desnecessária. Um dos problemas que Cardano não conseguia resolver era:

Aplicando a Fórmula de Cardano, chegamos ao seguinte entrave:

As raízes negativas ainda não podiam ser resolvidas então que outro personagem da história surge com a ideia de um número que não é nem negativo e nem positivo, Rafael Bombelli diz que o número na raiz quadrada negativa de cardano pode ser representado como uma combinação de um número comum e um novo tipo de número que envolve a raiz quadrada de -1, dessa forma ele reescreve a equação como:


x=(a+-b)+(a--b)

x=(a+b-1)+(a-b-1)



Dessa forma temos que a=2 e b=11, resultando na resposta x=4 que está correta, para a solução, dessa forma Bombelli deixa o método de Cardano válido ainda, porém dessa forma temos que deixar de lado a prova geométrica.



ERWIN SCHRODINGER O NÚMERO COMPLEXO E A FÍSICA FUNDAMENTAL


Anos depois da ideia de Bombelli, René Descartes usa com mais frequência raízes de números negativos, popularizando-as, e acaba criando o termo números imaginários, Euler em seguida utiliza a expressão i=-1 para representar os números imaginários que combinados com os números reais formam os números complexos. Com a solução do problema dos cubos utilizando os números complexos a álgebra foi separada da geometria, porém o problema dos cubos era apenas o início de uma nova fase para a matemática.

Em 1925, erwin Schroedinger tentava criar, assim como Newton na Mecânica Clássica, uma equação de onda que descreva o comportamento de partículas no mundo quântico, partindo da idéia de De Broglie de que o movimento de partículas quânticas podem ser descritos por uma equação de onda, então surge uma das mais importantes equações da física, a equação de Schroedinger:

Na época e ainda hoje a ideia de números negativos sendo utilizados na física gera muitas controvérsias, por conta da natureza irreal e ilógica a princípio desses números, o próprio Schrodinger diz:


“O que é desagradável aqui, e pode ser rejeitado diretamente é o uso de números complexos, a função Psi é certamente e fundamentalmente uma função real”


O que faz sentido pois o mundo dos números complexos não deveria influenciar na física fundamental, mas o que faz os números imaginários surgirem na física são algumas de suas propriedades. Os números imaginários existem em um eixo perpendicular ao eixo dos números reais, que juntos formam o plano imaginário.

Agora vamos notar o que acontece quando multiplico o eixo real por i diversas vezes, 1 x i = i, i x i = -1, -1 x i= -i e por fim -i x i = 1, repare que conseguimos formar um círculo desse jeito:

Existe uma função que multiplicada por i várias vezes e andar sob o eixo dos números reais produz uma espiral, é a função exponencial eix. Ao fazermos um gráfico tridimensional com o eixo imaginário, o eixo real e o eixo do x, a equação se comporta como uma espiral andando pelo eixo x. Porém ao vermos seu gráfico apenas no plano real ele é um cosseno:

E ao visualizarmos seu gráfico no eixo dos imaginários ele é um seno:

As duas funções que descrevem as ondas fundamentais, seno e cosseno estão contidas dentro da função:

Portanto é natural que buscando uma equação de onda que consiga explicar todo movimento de partículas quânticas Schrodinger utilize a notação imaginária e a função de Euler, mais especificamente:

A função exponencial também tem características úteis como o fato de sua derivada ser proporcional a ela mesma, essa equação também é linear o que permite que ela tenha diversas soluções. Algo que torna equação de Schrodinger muito controversa é que ela possui apenas uma derivada com relação ao tempo, o que é característico de equações de difusão de calor e não de equações de onda, porém o físico Freeman Dyson escreveria mais tarde:


“Schrodinger colocou a raiz quadrada de menos um na equação e de repente tudo fez sentido, de repente tornou-se uma equação de onda em vez de uma equação de difusão de calor. E Schrodinger descobriu para sua alegria que sua equação tinha soluções correspondente a órbitas quânticas no modelo atômico de Bohr.”


Para finalizar a discussão, em vista das mudanças que os números complexos geraram na matemática, separando a álgebra da geometria, criando um conjunto de números ditos imaginários por não existirem no conjunto dos reais, mas sim os reais existirem dentro dos complexos, e ainda assim sendo é usada para explicar tópicos de física fundamental, a partir disso, o que significa dizer que uma partícula tem função de onda imaginária? Faz sentido esses números representarem o mundo real? A álgebra e a geometria ainda podem se relacionar com os números imaginários?




REFERÊNCIAS


LAUNAY, M. A Fascinante História da Matemática. 2ª edição. Rio de Janeiro: Difel, 2019.


EISBERG e RESNICK. Física Quântica: átomos, moléculas, sólidos, núcleos e partículas. 1ª edição. Sao Paulo> Editora GEN LTC, 1979.


OLIVEIRA, L. S. A. S. Evolução das Ideias sobre Números Imaginários, 2015. Dissertação (Mestrado em Matemática) - Universidade Federal da Paraíba, joão Pessoa - PB, 2015. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/9340/2/arquivototal.pdf. Acesso em 9 de junho de 2023.


CABANILLAS, S. A. C. Introdução ao estudo dos números complexos e sua aplicação nos circuitos elétricos. 2016. 62 f. Dissertação (Mestrado em Matemática) - Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2016.


CAIUSCA, A. Números Complexos. EducaMaisBrasil. Disponível em: https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/matematica/numeros-complexos. Acesso em: 11 de junho de 2023.


CERRI, C. e MONTEIRO, M. S. História dos números complexos. Instituto de Matemática e Estatística da USP. Disponível em: https://www.ime.usp.br/~martha/caem/complexos.pdf. Acesso em: 11 de junho de 2023.


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