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  • Maria Clara Giacometti Paulino e Lucas Beraldo Bueno

Metodologia de Kepler para as duas primeiras Leis dos Movimentos Planetários.

Os problemas astronômicos sempre estiveram presentes no imaginário da humanidade. E isso ocorre desde as primeiras civilizações que tiveram notáveis envolvimento com a ciência, como os mesopotâmicos, egípcios, gregos, entre outros. Estes povos tinham suas concepções limitadas a visualizar os corpos celeste a olho nu, mas isso não os impediram de contribuir com notoriedade para o desenvolvimento das Ciências Naturais. Todas estas concepções vinculavam-se a pensamentos associativos envolvendo questões mítico-religiosas com os eventos astronômicos, o que caracterizava grande parte da cultura desses povos.

Na Academia, escola filosófica de Platão, um dos problemas da natureza, tanto filosoficamente como fisicamente, era como se dava a revolução dos corpos celestes.

Mas há alguns corpos celestes que, observados durante um ano, são vistos percorrendo trajetórias irregulares (movimentos retrógrados). Tomando como axioma que as órbitas circulares são as órbitas por eles descritas (não poderia ser outra forma, já que o círculo é a única órbita que condiz com a dignidade dos corpos celestes) deve-se determinar que tipos de movimento circulares e uniformes devem ser atribuídos aos planetas (estrelas errantes) de modo a explicar o seu movimento (EVANGELISTA, 2011, p. 69-70)

Na visão pitagórica surge um problema, conhecido como o dogma da circularidade de Platão, baseado em seu axioma da circularidade. Tal enraizamento deste pensamento dificultou a correta descrição dos movimentos dos corpos celestes, visto que o próprio Galileu Galilei (1564-1642) era um convicto defensor deste axioma platônico. Durante toda a Idade Média o modelo ptolomaico (modelo geocêntrico) era o vigente, até o momento em que a Europa Ocidental foi marcada pela Revolução Científica, palco para a Revolução copernicana (modelo heliocêntrico), numa transformação radical do conhecimento de nossa humanidade num universo muito muito vasto.

Essa revolução científica foi um período de muitas novas ideias com uma produção de conhecimento científico massivo.  O enfoque do presente texto se dá na figura de Johannes Kepler e sua metodologia científica para com a ruptura do axioma de Platão. No entanto, faz-se necessário um breve conhecimento da história daquele que é considerado o maior astrônomo da era pré-telescópica, Tycho Brahe, em que  todos os marcos decisivos da sua carreira estão relacionados à observação (a olho nu) dos corpos celestes. Seus trabalhos vieram a ser de extrema importância para o desenvolvimento das Leis que deveriam reger o movimento planetário ao redor do Sol; 




Figura 1: Retrato do astrônomo Tycho Brahe (Fonte: Radio Prague International, 2009)


Aos 14 anos, Brahe presenciou um eclipse parcial do Sol e este evento o encaminhou ao estudo da Astronomia, pois, para ele, parecia divino poder prever com exatidão o movimento dos astros. Uma conjunção de Júpiter e Saturno aconteceu quando ele tinha 17 anos e, após presenciar o evento, notou a insuficiência dos dados disponíveis na sua época, pois as tabelas astronômicas da época tinham um erro de até um mês entre a data do acontecimento e a data prevista. Aos 26 anos presenciou o nascimento de uma estrela na constelação de Cassiopeia (uma supernova) e aos 31 anos observou a passagem de um cometa em 1577.

Contudo, a relação do Tycho com Kepler só começa após a publicação do livro Mysterium Cosmographicum, em 1596. Kepler começou a buscar opiniões dos astrônomos e matemáticos da época, entre eles estava o alemão Reimarus Ursus, que era o matemático imperial do Rei Rodolfo II. Ursus era um grande rival de Tycho. Ursus não respondeu diretamente a Kepler, mas publicou sua carta com o intuito de vencer a disputa contra o Tycho e, após a publicação, Tycho procurou corresponder-se com Kepler, começando uma crítica ao sistema proposto pelo alemão. Os dois astrônomos discutiram muito, mas como Kepler não tinha acesso aos dados precisos que Tycho possuía, ele não tinha como tratar muitas dessas questões. Em 1599, Rodolfo II convidou Tycho para ser seu novo matemático imperial e, em dezembro deste mesmo ano, Tycho convidou Kepler para visitá-lo em Praga e, após diversas negociações conflitantes, entraram em um acordo sobre um salário e condições de moradia agradáveis. Em 1601, Kepler foi financiado diretamente por Tycho e, em setembro deste mesmo ano, foi garantida uma comissão a Kepler para que ele trabalhasse junto com Tycho em um projeto que tinha sido proposto ao imperador: a confecção das Tábuas Rudolfinas. No dia 24 de outubro de 1601, Tycho faleceu repentinamente e Kepler foi nomeado como sucessor no cargo de matemático imperial, com a obrigação primária de dar conselhos astrológicos ao imperador e continuar o trabalho inacabado de Tycho.



Figura 2: Retrato do astrônomo Johannes Kepler (Fonte: NPR, 2013)


O âmbito que Kepler se insere é no copernicanismo, onde sua Astronomia tem propostas estabelecidas na centralidade do sol e na mobilidade da Terra. Kepler estimulava um novo método para tratar dos movimentos planetários e os problemas que os cercavam. O enfoque para as duas primeiras leis se dá neste contexto, pois ambas conduzem o abandono do axioma platônico dos movimentos serem, indiscutivelmente, circulares e uniformes.

A obra Astronomia nova, de Kepler, relata as regras metodológicas das primeiras leis e tem como objetivo, segundo Kepler (1609), reformular, nas três formas de hipóteses (ptolomaica, copernicana e brahiana), as teorias astronômicas, principalmente para o movimento de Marte e para a construção de tabelas que pudessem prever com precisão determinados fenômenos celestes. Essa seria uma nova forma de tratar a Astronomia, utilizando os dados obtidos por Brahe e o modelo da centralidade física do Sol de Copérnico. Inicialmente, ele aceita incontestavelmente os movimentos planetários circulares e uniformes juntamente com o modelo heliocêntrico, e a partir disso tenta, de todas as maneiras, utilizando seus conhecimentos de geometria descrever a órbita do planeta Marte. Para isso era necessário encontrar a partir de círculos descentrados resultados que permitissem obter as posições de Marte ao longo de sua trajetória. Logo após, também percebe que isso se replica nos movimentos da Terra e de outros planetas. A partir disso, começam as especulações dinâmicas, que lhe permite chegar à lei das distância, que expressa a proporcionalidade entre a velocidade e a distância do planeta ao sol. Kepler usa da proporcionalidade teórica para demonstrar que os arcos obtidos são proporcionais aos arcos das distâncias que tem como referência o centro físico do movimento.

Kepler com o auxílio dos dados frutos do trabalhos de Tycho passa a pensar outras hipóteses para a órbita de Marte, duvidando do princípio norteador da Astronomia: o axioma platônico. Sua metodologia incentiva a busca de hipóteses que se estabelecem com base em observações, sem se prender a princípios a priori. Abandonando a forma circular descentrada, o teste da órbita oval é, finalmente, considerado. Dessa forma, o movimento torna-se mais coerente com os dados de Brahe, envolvendo movimentos e distâncias, de tal maneira que a verdadeira forma circular da órbita de Marte está entre uma elipse auxiliar e um círculo descentrado. Percebemos aqui, a importância do papel da interpretação realista para a descrição e explicação do movimento dos planetas no céu. Já a segunda lei que tinha sido observada anteriormente só foi reconhecida após a postulação da primeira. Kepler obtém, então, que, em tempos iguais, o planeta percorre áreas iguais, com o Sol ocupando um dos focos da elipse: a ruptura da crença no axioma platônico foi fundamental para a aceitação dessa ideia conhecida como hipótese das superfícies. Importante salientar que Kepler estudou durante oito longos anos somente a órbita de Marte e percebeu, adotando círculos descentrados como órbitas, que o erro entre o previsto e o observado era de oito graus. Kepler, conhecia as precisões das medidas de Tycho Brahe e duvidou que ele pudesse errar tão grosseiramente assim. Sabe-se hoje que o erro observacional de Brahe ficava em torno de quatro graus. Isso forçará Kepler a abandonar a geometria perfeita pitagórica para a elipse de baixa excentricidade dos planetas.

A Astronomia para Johannes Kepler tinha como pilar uma matemática explicativa que prezava pelas observações astronômicas realistas. Kepler ainda denomina hipóteses astronômicas quando são hipóteses físicas, que tem por objetivo explicações, no âmbito da ciência astronômica. E hipótese matemática quando a descrição e o cálculo  chegam a um resultado conclusivo.

A terceira Lei de Kepler, entretanto, se baseava ainda na crença irracional do astrônomo, imaginando que havia uma harmonia musical nos Céus. Assim, comparando as razões entre as velocidades de cada um dos cinco planetas (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno) em seus afélios e periélios, Kepler identifica nos intervalos musicais (terça maior, terça menor, quarta justa, quinta) aquela que seria a sua famosa terceira lei, onde o quadrado do tempo de revolução dividido pelo cubo do semi eixo maior entre planeta e Sol seria sempre constante. Esta Lei será fundamental para Isaac Newton, dezenas e dezenas de anos depois chegar à sua lei de atração gravitacional universal.


Referências: 


EVANGELISTA, L. R. Perspectiva em História da Física: dos Babilônios à Síntese Newtoniana. v. 1. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2011.


GLEISER, M. Kepler's Genius: Letting Nature Have The Last Word. NPR, 2013. Disponível em: https://www.npr.org/sections/13.7/2013/02/04/171116703/keplers-genius-letting-nature-have-the-last-word. Acesso em: 30/03/2024.


LEMOS, L.S; DOS SANTOS, R.A.; SANTANA, I.L.; ARAÚJO,V.H. A Nova Astronomia: as intensas contribuições de Galileu, kepler e Newton. Universidade Estadual do Sudeste da Bahia. XII Jornada Científica do IFRJ - Campus Volta Redonda, 2021. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/358993150_A_Nova_Astronomia_as_intensas_contribuicoes_de_Galileu_Kepler_e_Newton. Acesso em: 30/03/2024.


MANETHOVÁ, E. Tycho Brahe, el mejor observador de cuerpos celestes de su época. Radio Prague Internacional, 2009. Disponível em: https://espanol.radio.cz/tycho-brahe-el-mejor-observador-de-cuerpos-celestes-de-su-epoca-8587534. Acesso em: 30/03/2024.  


NEVES, M.C.D.; ARGUELLO, C.A. Astronomia de Régua e Compasso: de Kepler a Ptolomeu. Campinas: Papirus, 1986.


TOSSATO, C.R; MARICONDA, P.R. O método de astronomia segundo Kepler. Scientiæ zudia, São Paulo, v. 8, n. 3, p. 339-66, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ss/a/K7cSJjsZWVQByTKbDdzgX7r/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 30/03/2024.













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