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MOVIMENTO RETRÓGRADO DOS PLANETAS

  • Maria J. C. Mistura e Pietro G. C. Ferreira
  • 28 de set. de 2023
  • 6 min de leitura

O céu estrelado há muito tempo já encantava a humanidade, e ao observá-lo foi descoberto que alguns corpos celestes não se movimentavam com a mesma ordem que as estrelas de fundo. Nesse contexto surgiu a palavra “planeta”, originária do latim planus e admitido no grego como planḗtēs, com o intuito de demonstrar a ideia de um objeto que se move de uma forma não esperada, que erra, um objeto errante. Assim, os planetas eram vistos como objetos que se moviam em relação às estrelas, diferindo dos objetos celestes que aparentavam ser fixos no céu.

Observando esses curiosos objetos, notou-se que em alguns momentos os planetas pareciam se movimentar para uma direção, e em outros aparentavam estar se movendo para o sentido oposto. Dessa forma, foi possível constatar que os planetas realizam dois movimentos: o movimento direto e o movimento retrógrado.

O movimento direto dos planetas faz referência ao deslocamento regular e progressivo desses corpos celeste em torno do Sol. Quando se observa os planetas da Terra, eles aparentam mover da direção leste para oeste, sendo esse movimento nada mais que uma consequência das leis da gravidade e de suas órbitas elípticas.


Gif 1

Representação fora de escala do movimento direto dos planetas do sistema solar Fonte: Aline Ribeiro (UFMG), 12/09/2023

Já o movimento retrógrado, também conhecido como movimento retrógrado aparente, diz respeito ao movimento aparente que observamos da Terra em alguns planetas, onde estes fazem um movimento de retrocedimento. Esse movimento pode durar desde horas a anos até voltar ao movimento direto, variando com uma grande disparidade devido à distância de cada planeta em relação ao sol. Na figura abaixo pode-se ver a órbita da Terra, a órbita de Marte, e o movimento retrógrado aparente que um observador da Terra enxerga.


Gif 2


Representação do movimento retrógrado aparente do planeta Marte visto de um observador da Terra. Fonte: SinastriA, 12/09/2023


Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno fazem o movimento retrógrado aparente, tendo cada um determinado tempo de duração e podendo ou não, dependendo do ano, ocorrer. Como no caso de Marte, um comum exemplo para a discussão desses movimentos pela sua proximidade à Terra, que não teve movimento aparente retrógrado em 2021.

Ainda, alguns planetas podem fazer esse movimento inclusive mais de uma vez por ano, como é o caso de Mercúrio. Ele é o que mais realizará esse fenômeno no ano de 2023, podendo ser observado quatro vezes ao ano, devido ao fato de ser o planeta mais próximo do sol e por conseguinte ser o que faz o movimento de translação mais rápido, em apenas 88 dias, o que implica nesse planeta ultrapassando a Terra de três a quatro vezes por ano, gerando a impressão do movimento retrógrado quando visto da Terra. Vênus, com sua órbita de 225 dias, realiza esse movimento durante seis semanas a cada dezoito meses. Já Marte é um dos planetas cujo movimento retrógrado pode ser observado a olho nu: seu movimento dura algumas semanas e acontece a cada 26 meses, aproximadamente. Durante quatro meses Júpiter faz o movimento retrógrado, sendo que ele dá início ao processo de nove em nove meses. A duração desse fenômeno em relação a Saturno é apenas um pouco maior em comparação à Júpiter, tendo duração de quatro meses e meio a cada ano. Também a cada doze meses, por fim, Urano entra em movimento retrógrado com duração de cinco meses, assim como Netuno. Segue abaixo uma tabela com as datas dos movimentos retrógrados para cada planeta mencionado anteriormente para o ano de 2023



Dessa forma, vimos que esse fenômeno é observado tanto em planetas internos quanto externos, e com isso vamos ter diferentes pontos de vista. Enquanto que para os planetas externos se é observado a movimentação de leste para oeste no momento que a Terra está na região da sua órbita mais distante do planeta, para os planetas interiores o movimento retrógrado acontece de oeste para leste quando a Terra se encontra posicionada entre o Sol e a Terra.

Hoje em dia sabemos que a explicação para esse movimento "anormal" nada mais é que resultado da assincronia das órbitas dos planetas do sistema solar, ou seja, ocorre naturalmente quando um planeta “ultrapassa” o outro na órbita do Sol. Entretanto, nem sempre soubemos disso, e por muitos séculos a explicação desse curioso fenômeno se mostrou um verdadeiro desafio ao tentar explicar o movimento celeste.

Para desvendar o porquê desse desafio, a princípio, é preciso entender alguns modelos astronômicos propostos durante os séculos conforme a astronomia, especificamente para o cenário cultural rico da Grécia Antiga, crescia e mudava com o passar dos anos. Nos primórdios dessa ciência o consenso geral era o modelo geocêntrico, em que a Terra era colocada no centro do universo como um objeto estático, imóvel. Por muito tempo não havia motivo para questionar essa ordem: observar da Terra o céu e os astros (como o Sol) se movimentando, levava os filósofos da época a crer que nós estamos parados e eles em movimento. Entretanto, como bem sabemos hoje, não só a Terra está em constante movimento, também não é o centro do universo e todos os planetas orbitam ao redor de uma única estrela: o sol. Esse é o modelo heliocêntrico.

Entretanto, num contexto em que ainda considerava-se loucura um modelo com a Terra em movimento, o filósofo Platão dizia que o nosso universo era criado a partir de um modelo perfeito e imóvel. Este mundo, por ser apenas uma cópia/imagem do perfeito, era imperfeito e portanto em constante movimento. Disso, Platão propôs que o caminho lógico para explicar o cosmos é a partir da “melhor” forma geométrica, aquela que melhor se aproxima do modelo irreal, a esfera. Uma esfera pode simplesmente rotacionar para se manter em movimento, e ainda assim gerar a impressão de se manter imóvel. A partir desse conceito foi instalado na astronomia antiga o Dogma da Circularidade, perdurando por cerca de 2000 anos, em que filósofos, astrônomos e cientistas buscavam explicar os movimentos da Terra e dos demais astros baseando-se somente em movimentos circulares. Dessa forma, podemos ver alguns modelos importantes para o arranjo dos astros que representam o avanço da astronomia na época, tentando da melhor forma possível explicar o movimento de laçada dos planetas a partir de movimentos circulares.

O primeiro, o modelo de esferas homocêntricas de Eudoxo de Cnido, tentava explicar o movimento de laçadas propondo um sistema de 27 esferas que se moviam em conjunto em torno da Terra com os planetas fixos em algumas dessas esferas. Esse modelo foi também aprimorado por outros filósofos e estudiosos após Eudoxo, como Aristóteles e Calipo, que tentaram aperfeiçoá-lo ao adicionar cada vez mais esferas para gerar maior fluidez de movimento e tentar se aproximar mais da realidade. Entretanto, apesar de esse modelo de fato apresentar certos movimentos de laços, estes eram homogêneos e constantes demais, ao contrário dos movimentos reais, além de não conseguir explicar as variações de brilho e velocidade sofridas pelos planetas.

Figura 1

Esferas homocêntricas de Eudoxo Fonte: sebasvloggs (https://www.emaze.com/@aoclrltoq/TEOR%C3%8DA-de-eudoxo), acesso em 18/09/2023


O segundo é o modelo de deferentes e epiciclos, proposto por Apolônio de Perga. Nele, os planetas se movem ao longo de um pequeno círculo chamado epiciclo, enquanto o centro desse se move ao longo de um círculo maior chamado deferente. Esse modelo era uma verdadeira maravilha matemática, onde cada vez mais epiciclos poderiam ser adicionados (como fez Hilário de Niceia) e, alterando a velocidade angular de cada um deles, alcançava-se maior liberdade de movimento. Entretanto este modelo ainda tinha suas imperfeições, por ainda não conseguir explicar os movimentos complexos das laçadas com exatidão.



Figura 2

Modelo dos deferentes e epiciclos Fonte: Universo da Física - UFES, acesso em 18/09/2023


Por fim, Cláudio Ptolomeu aperfeiçoou o modelo originalmente criado por Apolônio com a adição de um simples conceito matemático: o equante. No modelo de Ptolomeu, a Terra ainda era o centro do universo, mas o deferente que carregava os epiciclos e seus planetas era excêntrico, sendo o equante um ponto simétrico à Terra em relação ao centro do deferente para o qual a velocidade angular dos planetas era sempre constante. Esse modelo, com a adição de um artifício matemático nas teorias já propostas e utilizando da geometria conhecida na época, conseguia explicar os movimentos com o uso de menos epiciclos adicionados no modelo, simplificando-o.


Figura 3

Sistema de epiciclos de Ptolomeu Fonte: PACHECO, T. A, acesso em 18/09/2023



Por isso, com a ajuda de Ptolomeu, o heliocentrismo ainda manteve-se por muitos séculos até que a explicação que conhecemos hoje, de planetas "ultrapassando" uns aos outros na órbita do Sol dando origem às infames laçadas, fosse descoberta, e aceita.

Referências




FILHO, K. de S. O. & SARAIVA, M. de F. O. (2006). Movimento dos planetas. Departamento de Astronomia do Instituto de Física da UFRGS. Disponível em: http://astro.if.ufrgs.br/p1/p1.htm. Acesso em: 11/09/2023


COPÉRNICO, Nicolau. (1510). Commentarioulus. Disponível em: https://www.academia.edu/36761586/NICOLAU_COP%C3%89RNICO_1510_COMMENTARIOULUS. Acesso em: 14/09/2023.



RIBEIRO, A. O movimento retrógrado dos planetas. Espaço do conhecimento - UFMG. Disponível em: https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/o-movimento-retrogrado-dos-planetas/. Acesso em: 14/09/2023


SPANNER, Holly. Retrograde motion of the planets: Everything you need to know. BBC Science Focus, 2023. Disponível em: https://www.sciencefocus.com/space/retrograde. Acesso em: 16/09/2023


O início da revolução científica: questões acerca de Copérnico e os epiciclos, Kepler e as órbitas elípticas. Revista Brasileira do Ensino de Física, 33(3), - 1, Novembro, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbef/a/GLkcN8YGXvzxGxDm3qMgF9s/#.Acesso em 12/09/2023


MOVIMENTO retrógrado. Portal São Francisco, 2023. Disponível em: https://www.portalsaofrancisco.com.br/fisica/movimento-retrogrado. Acesso em 12/09/2023


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