O acidente de Chernobyl
- Camila D.S Souza e Pietro G.C Ferreira
- 21 de mai.
- 7 min de leitura
A energia nuclear é a energia liberada em transformações de núcleos atômicos, ou seja, uma reação nuclear, sendo esta fundamental na produção de energia elétrica em larga escala, visto que a demanda de energia só cresce e os recursos hídricos para produção de energia estão se esgotando. Esse tipo de energia foi evidenciada pela primeira vez em 1896 pelo cientista francês Henri Becquerel, que percebeu uma radiação emitida por uma amostra de óxido de urânio quando, ao entrar em contato com placas fotográficas cobertas de um material opaco, deixou-as mais escuras. Então, no início de 1898, Marie Sklodowska Curie mostrou que a radiação era emitida não apenas pelo urânio, mas também pelo rádio, tório e polônio independente do tipo de composto. Albert Einstein demonstrou que reações nucleares baseiam-se no princípio da equivalência de massa e energia, isto é, ocorre a transformação de massa em energia. Com os estudos realizados por esses e outros cientistas não citados, pode-se avançar para a possibilidade de conversão do calor gerado por essa transformação dos núcleos em energia elétrica.
Existem dois tipos de energia nuclear: a fissão e a fusão. Na fissão nuclear o núcleo do átomo se divide em duas ou mais partículas, enquanto a fusão nuclear pelo menos dois núcleos se unem para formar um novo núcleo atômico. Em relação aos reatores nucleares, é empregado a fissão nuclear, uma vez que em um reator de fusão há uma emissão de energia na forma de plasma, e o confinamento do mesmo é um problema, pois precisa-se de reservatórios capazes de suportar elevadas temperaturas, além do alto orçamento necessário para a possibilidade de construção desse tipo de reator. Existem pesquisas vigentes para o emprego de reatores nucleares de fusão, em especial o projeto ITER, em que participam cientistas do Japão e da União Europeia.
Ida Noddack foi a primeira a observar que, em uma fissão nuclear, durante o bombardeamento de núcleos pesados com nêutrons eles poderiam se quebrar em pedaços menores, isótopos de elementos conhecidos, porém sem serem vizinhos dos originais na tabela periódica, gerando uma quantidade enorme de energia. Assim, a primeira reação em cadeia foi realizada em 1942 em um reator de grafite denominado Chicago Pile 1 (CP-1), para o projeto Manhattan, com o objetivo de construir a primeira bomba atômica, com a supervisão de Enrico Fermi na Universidade de Chicago. A energia nuclear, principalmente na década de 40, tinha uma relação muito próxima com o desenvolvimento de armas nucleares, sendo apenas reconhecida como fonte de energia primária na matriz energética mundial 20 anos depois. A primeira reação em cadeia realizada com o objetivo de gerar energia elétrica foi feita em um reator de grafite - o mesmo que ocasionou o acidente nuclear de Chernobyl. Um reator nuclear é composto pelo seu combustível nuclear, moderadores, refrigerantes, absorvedores, blindagem e demais estruturas. Em um reator nuclear de grafite é utilizado moderadores - materiais utilizados em reatores térmicos para moderar ou reduzir a energia dos nêutrons rápidos gerados - feitos de grafite.

Figura 1 - funcionamento de um reator nuclear.
Fonte: (CBIE)
Toda tecnologia e técnicas empregadas em usinas nucleares são pensadas meticulosamente a fim de minimizar riscos. Certamente, por lidar com materiais radioativos, o cuidado em usinas nucleares é imprescindível pois qualquer deslize pode tomar proporções catastróficas. Entretanto, acidentes nucleares em geral são resultado de uma junção de eventos pequenos que, ao se acumular, prejudicam o funcionamento da usina. Entre esses eventos, são muitos os problemas que podem ocorrer: falhas técnicas no resfriamento, ruptura de tubos, deficiências por envelhecimento da estrutura, inexperiência dos operadores, manuseio indevido de combustíveis ou do material radioativo, entre outros.
Localizada no norte da Ucrânia, a usina nuclear de Chernobyl, ou CNPP (Chernobyl Nuclear Power Plant), sofreu o renomado acidente de Chernobyl, gerando repercussões de grande escala. Em 26 de abril de 1986, durante uma série de operações experimentais, o sistema começou a sobreaquecer, seja por falha na operação ou algum erro estrutural na planta. Como o uso de elementos radioativos é aproveitar o calor gerado pela fissão nuclear, essas usinas requerem um complexo sistema de resfriamento para manter a estrutura estável. Entretanto, durante o sobreaquecimento de 86, a transfusão de calor para a água fria usada no resfriamento ocorreu rápido demais, gerando uma onda de choque que quebrou a estrutura primária de canos. Com esse choque, houve também um leve deslocamento da posição do núcleo do reator e a água começou a deixar o sistema. Sem mais nenhum método de resfriamento, com parte do combustível se vaporizando e o núcleo a altas temperaturas ocorreu um segundo choque, uma explosão que destruiu o reator, espalhando destroços e material radioativo por toda a área da CNPP. Conforme os materiais radioativos no núcleo do reator continuavam a se esquentar e reagiam com os combustíveis usados na reação, essas explosões continuavam a ocorrer espalhando ainda mais resíduo radioativo, em um processo que só foi contido após 10 dias.

Figura 2 - sarcófogo construído ao redor do reator de Chernobyl para conter a radiação
Fonte: (Agence France Press).
Apesar de desastroso, as explosões e incêndios que ocorreram logo após o incidente foram retidas, e a usina se estabilizou. O problema, e o medo que em geral rodeia as usinas nucleares, é a radiação emitida pelos materiais utilizados. As explosões do núcleo liberaram uma quantidade imprescindível de material radioativo, na forma de gases, aerossóis, partículas minerais, partículas de combustível. Mesmo que o foco inicial fosse contido, a meia-vida alta da maioria dos elementos químicos empregados na usina nuclear seria suficiente para causar um estrago em grande escala. A imagem 3, que mostra a relação de contaminação na área ao redor da CNPP após o acidente, com base na concentração de Césio-137 encontrado por m², retrata bem a proporção do problema. A catástrofe era tanta que, em novembro de 1986, foi construído um sarcófogo envolta do reator explodido e do prédio que o continha a fim de evitar que a contaminação se propagasse. Antes disso, ainda eram encontrados na atmosfera por todo o globo certos isótopos liberados na explosão, graças a contaminação pelos aerossois.

Figura 3 - Representação da contaminação radioativa na Europa.
Fonte: (Saenko et al, 2011).
Nos meses que seguiram o acidente, a cidade e região em torno do acidente tiveram que ser evacuadas. Mais da metade dos funcionários e bombeiros que auxiliaram na contenção dos incêndios na noite da explosão foram identificados com diversos graus de SAR (síndrome aguda de radiação). As consequências do evento envolveram desenvolvimento de cânceres, feridas, perdas de cabelo ou pele, casos de mielossupressão (diminuição da produção de células sanguíneas pela medula óssea) e em alguns casos até a morte. As sequelas do acidente de Chernobyl, em humanos e na fauna/flora afetada, podem ser observadas até hoje, e se mantêm um objeto de estudo.
Entretanto, eventos catastróficos envolvendo a energia nuclear devem ser enxergados como o que são: um infortúnio. No caso do desastre de Chernobyl, causado principalmente por erro humano, ou de outros acidentes nucleares, como o de Fukushima, causado por um desastre natural, novas medidas de segurança e protocolos são implementados e pensados para justamente impedir que o mesmo ocorra novamente. Uma ampla comunicação de risco, por exemplo, pode servir para melhor preparar a população para lidar com uma eventual emergência nuclear. Como essa conscientização e organização devem ocorrer para minimizar os riscos adequadamente é algo estudado, e exigido, atualmente. Planos governamentais que esboçam possíveis abrigos, encaminhamentos e soluções rápidas para acidentes nucleares também são essenciais, e podem fazer a diferença em uma situação crítica.
Ademais, as próprias usinas apresentam um complexo sistema que busca impedir qualquer desastre, com técnicas de prevenção de diversos tipos: de projeto, envolvendo o local e modo de construção inicial da usina, precavendo-se contra os eventos mais improváveis desde desastres naturais a problemas externos; físicos, abrangendo as barreiras materiais e componentes empregados na estrutura, buscando sempre minimizar os riscos e a radiação empregada; de processo, que diz respeito à organização operacional da usina, desde a rotina de funcionários a realização de testes e checagens periódicas; e, por fim, organizacionais, que dizem respeito às técnicas de comunicação e planejamento governamentais.
Dessa forma, podemos concluir que a energia nuclear é uma forma que, apesar de eficaz e relativamente limpa, apresenta diversos perigos em relação ao resíduo radioativo que devem ser considerados. Entretanto, o que deve ser buscado no entendimento do acidente nuclear de Chernobyl não é uma defesa à abolição de toda e qualquer usina nuclear. Devemos entender exatamente o que levou ao desastre, para que cada vez mais se conheça sobre o assunto e novas técnicas responsáveis de prevenção de danos sejam viabilizadas. O importante passo de estudar a nossa história é impedir que o mesmo erro ocorra novamente.
Referências
BISCHÉU, E. Usinas nucleares: Funcionamento, instalações e principais normas de segurança. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Sagrado Coração. Bauru, 2011. Acesso em: 7 de maio de 2025;
CBIE. Energia Nuclear. Rio de Janeiro. Disponível em: https://cbie.com.br/energia-nuclear/. Acesso em: 20 de maio de 2025.
NETTO, A. M.; ROCHA, G. C.; PESSANHA, D. O. Energia Nuclear. Bolsista de valor: Revista de divulgação do Projeto Universidade Petrobras e IF Fluminense, v.1, p. 129-132, 2010. Acesso em: 7 de maio de 2025;
REZENDE, G. F. S. et al. Reatores nucleares de potência. Instituto de radioproteção e dosimetria. Rio de Janeiro, 2009. Acesso em: 7 de maio de 2025;
SAENKO, V. et al. The Chernobyl Accident and its Consequences. Clinical Oncology, v. 23, n. 4, p. 234–243, 2011. Acesso em: 7 de maio de 2025;
SANTOS, M. T. da R.; SILVA, M. V. de C.; CARDOSO, T. A. de O. Sistema de Comando de Incidentes e comunicação de risco: reflexões a partir das emergências nucleares. Saúde em Debate, v. 44, n. spe2, p. 98–114, 2020. Acesso em: 7 de maio de 2025;
ELETRONUCLEAR Energia Limpa. Segurança Nuclear. Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.eletronuclear.gov.br/Seguranca/Paginas/Seguranca-Nuclear.aspx. Acesso em: 7 de maio de 2025;
Estado de Minas. Ucrânia reestabelece eletricidade na usina de Chernobyl, em mãos russas. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2022/03/13/interna_internacional,1352322/ucrania-restabelece-eletricidade-na-usina-de-chernobyl-em-maos-russas.shtml#google_vignette. Acesso em: 14 de maio de 2025.
Comments