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O Paradoxo de Hawking e algumas de suas soluçõeses

  • Maria J. C. Mistura e Maria R. L. Maraschi
  • 3 de dez.
  • 5 min de leitura

Os buracos negros sempre fascinaram a humanidade como regiões cósmicas de mistério e poder gravitacional extremo. Foi Stephen Hawking, em um insight revolucionário na década de 1970, quem demonstrou que essas entidades não são completamente "negras": elas emitem radiação e podem evaporar lentamente. Porém, essa descoberta genial trouxe consigo um dos maiores quebra-cabeças da Física moderna: se um buraco negro pode desaparecer completamente, o que acontece com toda a informação sobre as partículas que cairam em seu interior?


Figura 1: primeira imagem de um buraco negro.

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fonte: NASA, Event Horizon Telescope Collaboration, 2019


A radiação de Hawking apresenta uma característica perturbadora: é inteiramente térmica e aleatória, sem qualquer "impressão digital" das partículas originais que formaram o buraco negro. Isso entra em rota de colisão direta com um princípio fundamental da Mecânica Quântica, o de que a informação nunca pode ser verdadeiramente destruída. Se a informação some quando o buraco negro evapora, estaríamos testemunhando uma violação profunda das leis que governam o universo quântico.


Dessa forma, este paradoxo expõe a incompatibilidade entre as duas grandes teorias da Física: a Relatividade Geral, que rege o universo em grande escala, e a Mecânica Quântica, que descreve o mundo subatômico. O horizonte de eventos do buraco negro torna-se,assim, o palco onde essas duas teorias entram em conflito direto.


Diante deste impasse, a comunidade científica propôs várias soluções intrigantes. Uma delas é o teorema intitulado de "Cabelos Suaves" (Soft Hair), que estabelece  que há minúsculas deformações no horizonte de eventos que poderiam armazenar informações sobre a matéria absorvida. Outra solução é o chamado “Princípio Holográfico”, onde a informação tridimensional estaria codificada numa superfície bidimensional, como um holograma cósmico. Além destas, também pode-se citar as Teorias de Gravidade Quântica, conexões através de "wormholes" ou pontes quânticas que preservariam a informação.


Cabelos Suaves 


Esta solução é uma evolução direta do chamado  “Teorema da Calvície” criado pelo físico John Wheeler. Este termo vem da expressão feita por Wheeler, quando ele disse que “black holes have no hair” (buracos negros não possuem cabelo) com o significado de que buracos negros são simples, desprovidos de características marcantes, de modo que eles podem ser descritos apenas por três propriedades fundamentais: massa, carga elétrica e momento angular  (MISNER et al,1973).


Figura 2: ilustração representando o Teorema da Calvície.

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Fonte:Joanna Maciel/Superinteressante, 2025


Dessa forma, de acordo com o Teorema da Calvíce, o que restaria de qualquer coisa que cai dentro de um buraco negro seria somente as três propriedades. Mas este teorema entrou em conflito com a Mecânica Quântica, a qual exige que  a informação total do sistema seja preservada, incluindo estados quânticos das partículas, tipo de partícula, campo, distribuição de energia, entrelaçamento quântico, modos vibracionais e excitações do campo quântico. Dessa maneira, diante da simplicidade do teorema e de suas complicações, Stephen Hawking propõe o teorema de que os buracos negros possuem um cabelo suave (soft hair). Portanto, em nível quântico, permite-se que a informação seja codificada em excitações suaves do campo no horizonte de eventos, os cabelos suaves. Essa teoria demonstra que pequenas variações nos campos gravitacional ou eletromagnético no horizonte registram traços da matéria que caiu no buraco negro. Além disso, os cabelos suaves mantêm correlações entre o interior e o exterior, evitando a perda total de entrelaçamento quântico, e as excitações de energia quase nula armazenam a “assinatura quântica” da radiação emitida (HAWKING et al, 2016). Desse modo, o teorema do “cabelos suaves” propõe uma solução às limitações ao Teorema da Calvície.



Princípio Holográfico


Em 1970, Jacob Bekenstein e Stephen Hawking debruçaram-se sobre a entropia dos buracos negros. Neste estudo Bekenstein percebeu que a entropia de um buraco negro não é proporcional ao seu volume, mas sim à área de seu horizonte de eventos. Esta constatação foi surpreendente porque normalmente, em sistemas comuns, a entropia cresce com o volume não com a área de seu horizonte de eventos. Isso  indicava que, no caso dos buracos negros, a informação mostrava-se “armazenada” na superficie, como se o horizonte de eventos fosse uma espécie de memória cósmica bidimensional (BEKENSTEIN, 1973; HAWKING, 1975).


Figura 3: Representação do Princípio Holográfico.

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Fonte: International Space Federation, 2022


Somente algumas décadas depois que o Princípio Holográfico foi generalizado, pelos físicos Gerard ’t Hooft e Leonard Susskind. Os quais propuseram que toda a informação contida em uma região do espaço pode ser representada por uma teoria física definida na fronteira dessa região. Isto significa que o universo pode ser descrito de duas maneiras equivalentes: como um espaço tridimensional (com gravidade); ou como uma superfície bidimensional (sem gravidade), onde a informação está codificada. Dessa forma, essa equivalência sugere que a gravidade pode ser uma manifestação emergente das interações quânticas de uma teoria holográfica “na borda”. Assim, o princípio holográfico nos coloca que a informação é armazenada no horizonte de eventos, respeitando as leis da mecânica quântica (’T HOOFT, 1993; SUSSKIND, 1995)


Wormholes


Outra proposta de solução que tem o intuito de unificar a relatividade geral com a mecânica quântica são os denominados “wormholes” (buracos de minhoca), também chamados de pontes de Einstein-Rosen. A ideia dos buracos surgiu em 1935 com Albert Einstein e Nathan Rosen que demonstraram que as equações da Relatividade Geral permitem soluções em que o espaço-tempo forma um túnel curvado, de forma que este túnel poderia então ligar dois pontos distantes. É por essa razão queé especulado que a informação de fato não desaparece, mas poderia ser preservada por estas conexões sutis entre diferentes regiões do espaço-tempo. (EINSTEIN et al, 1935).


Figura 3: representação artística de um buraco de minhoca.

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Fonte: ESO Supernova Exhibition, 2019


Recentemente, há visões mais modernas acerca dos buracos de minhoca, como as ideias advindas de Juan Maldacena e Leonard Susskind, os quais colocam que esses túneis podem surgir de emaranhamentos quânticos profundos. Onde cada par de partículas emaranhadas poderiam estar conectados por uma microponte no espaço tempo. Desta forma, a informação nunca se perderia mas se reorganizaria. O buraco negro e a radiação de Hawking, portanto, stariam emaranhados e conectados por micro-wormholes  (MALDACENA et al, 2013).



Conclusão


O Paradoxo de Hawking transcende o debate técnico sobre buracos negros, ele representa a fronteira final na busca por uma teoria unificada da física. A persistência desse mistério por quase cinco décadas nos lembra que ainda há profundos segredos do universo esperando para ser desvendados.


A jornada em busca da solução tem sido extraordinariamente produtiva, impulsionando avanços em múltiplas áreas da física teórica. O legado mais importante de Hawking pode não ser a resposta, mas sim a pergunta, uma demonstração poderosa de como o questionamento radical pode abrir novos horizontes do conhecimento. Na tradição galileana, é a dúvida, não a certeza, que continua movendo a ciência em sua busca pela compreensão última da realidade.



REFERÊNCIAS


BEKENSTEIN, J. D. Black holes and entropy. Physical Review D, v. 7, n. 8, p. 2333–2346, 1973. Acesso em: 03 nov. 2025

EINSTEIN, A.; ROSEN, N. The particle problem in the general theory of relativity. Physical Review, v. 48, n. 1, p. 73–77, 1935. Acesso em: 03 nov. 2025


EUROPEAN SOUTHERN OBSERVATORY – ESO. ESO Supernova Exhibition. supernova.eso.org, [s.l.], 2019. Disponível em: https://supernova.eso.org/exhibition/1209/. Acesso em: 27 nov. 2025


INTERNATIONAL SPACE FEDERATION. El Modelo Holográfico Generalizado, Parte I: El Principio Holográfico. The International Space Federation, [s.l.], c2022. Disponível em: https://spacefed.com/es/fisica/el-modelo-holografico-generalizado-parte-i-el-principio-holografico/. Acesso em: 27 nov. 2025.


HAWKING, S. W.; PERRY, M. J.; STROMINGER, A. Soft Hair on Black Holes. Physical Review Letters, v. 116, n. 23, p. 231301, 2016. DOI: 10.1103/PhysRevLett.116.231301.  Acesso em: 03 nov. 2025.


MALDACENA, J.; SUSSKIND, L. Cool horizons for entangled black holes. Fortschritte der Physik, v. 61, n. 9, p. 781–811, 2013.  Acesso em: 03 nov. 2025.


MISNER, C. W.; THORNE, K. S.; WHEELER, J. A. Gravitation. San Francisco: W. H. Freeman, 1973.  Acesso em: 03 nov. 2025

NASA. First Image of a Black Hole. NASA Science, 10 abr. 2019. Disponível em: https://science.nasa.gov/resource/first-image-of-a-black-hole/. Acesso em: 27 nov. 2025.


VAIANO, Bruno. O que é o teorema da calvície? Superinteressante, 29 jan. 2025. Disponível em: https://super.abril.com.br/coluna/oraculo/o-que-e-o-teorema-da-calvicie/. Acesso em: 27 nov. 2025.


’T HOOFT, G. Dimensional reduction in quantum gravity. arXiv preprint gr-qc/9310026, 1993. Disponível em: https://arxiv.org/abs/gr-qc/9310026.  Acesso em: 03 nov. 2025



 
 
 

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